A cama como refúgio e prisão: reflexões psicológicas sobre o “vegetar na cama”
- 4 de set.
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Atualizado: 8 de set.
Palavras-chave: geração Z; saúde mental; autocuidado; sofrimento psíquico; psicologia social.
Nos últimos anos, expressões como “vegetar na cama” têm se popularizado entre jovens da chamada geração Z. O termo, carregado de ironia, surge em meio a um contexto marcado por incertezas econômicas, pressões sociais e exigências de desempenho que atravessam tanto a vida acadêmica quanto a profissional. A cama, nesse cenário, deixa de ser apenas um espaço de descanso e se transforma em símbolo: refúgio, protesto silencioso e, em alguns casos, sinal de adoecimento psíquico.

Do ponto de vista psicológico, essa prática pode assumir diferentes significados. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer o valor do descanso como parte fundamental do autocuidado. O corpo e a mente necessitam de pausas; desligar-se por algumas horas do ritmo acelerado da vida contemporânea pode representar uma forma legítima de preservação da saúde mental. Não raro, jovens encontram na cama um espaço para recuperar-se da exaustão emocional provocada pelo excesso de informações, pela cobrança de produtividade constante e pelo medo da instabilidade futura.
Entretanto, a mesma conduta pode adquirir contornos preocupantes quando se transforma em hábito recorrente e involuntário. A dificuldade em sair da cama, quando acompanhada de sentimentos de apatia, perda de interesse por atividades antes prazerosas, isolamento social e queda na motivação, pode estar relacionada a quadros de depressão, ansiedade ou mesmo de esgotamento psicológico. Nesses casos, o que inicialmente se apresentava como autocuidado pode se converter em prisão invisível, um espaço em que o indivíduo se refugia não apenas para descansar, mas para evitar o enfrentamento da realidade.
Há também uma dimensão coletiva e geracional a ser considerada. A geração Z cresce em um mundo hiperconectado, no qual a exposição constante nas redes sociais alimenta comparações e idealizações difíceis de sustentar. Somam-se a isso o peso das crises econômicas, a instabilidade do mercado de trabalho e a expectativa precoce de sucesso. Diante desse panorama, “vegetar na cama” pode ser lido como um gesto silencioso de resistência, quase um grito abafado contra as pressões que parecem esmagar projetos de vida ainda em construção.
A psicologia, ao refletir sobre esse fenômeno, nos lembra que o desafio não está em condenar ou glorificar esse comportamento, mas em situá-lo. Há uma linha tênue entre a pausa necessária e a imobilidade sintomática. O que determina de que lado dessa linha estamos é o modo como esse tempo na cama repercute na vida: se fortalece, organiza e devolve energia, ou se paralisa, esvazia e distancia o sujeito do contato com o mundo.
Em última análise, a cama pode ser tanto abrigo quanto prisão. O essencial é cultivar a capacidade de discernir quando o repouso é autocuidado e quando é expressão de um sofrimento que pede escuta e cuidado profissional. Entre descanso e desistência, o convite é para que cada geração aprenda a reconhecer seus limites sem perder de vista a potência de viver.
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